A imagem era uma modalidade de expressão tipicamente
humana, uma forma de comunicação simbólica que, antes da escrita e da linguagem,
diferenciava o ser humano dos outros seres vivos. Nesse sentido, talvez, o
homem deveria ser definido mais exatamente como animal symbolicum, em vez de animal
rationale. Essa definição, segundo Ernst Cassirer, um dos filósofos
responsáveis pela recuperação da relevância filosófica da noção de símbolo do
século XX, responde melhor a uma visão mais abrangente do fenômeno humano por
abarcar o mito, a religião, a arte, a linguagem, a história e a ciência.[1]
“Toda a
manifestação simbólica e/ou cultural, enquanto construção tipicamente humana supõe
uma força espiritual peculiar que a faça aparecer. Tal força, se pensamos
dentro de uma prioridade ontológica e mesmo histórico-evolutiva, é a imaginação”.[2]
A imaginação humana revela a experiência religiosa primordial através de imagens
e símbolos ancestrais, rudimentares e antropomórficas. As imagens
representavam, como num sonho, o universo inconsciente e transcendental do ser
humano e o punham em contato com o mundo desconhecido.
A formação do universo imagético religioso cristão está
ligada, também, à visão religiosa do Egito. Os egípcios colocavam no rosto do
defunto, depois do processo de mumificação, uma máscara mortuária que
reproduzia o semblante do defunto. Esta técnica foi se aperfeiçoando, ao ponto,
que, já antes do cristianismo, existiam verdadeiros ateliês de retratos
funerários. O retrato do defunto, colocado em cima do rosto mumificado, tinha a
função de mediar o mundo dos mortos e o mundo dos vivos. A imaginação,
concretizada numa imagem ou num símbolo, facilitava este trânsito. No século XX
Padre Pavel Florenskij, teólogo, matemático e teórico da arte, define o ícone
como “A janela sobre o mistério” e os Padres da Igreja oriental, defensores das
imagens (ícones), o definem como “Janela aberta para o invisível”. Os retratos
de Fayoum (região do Cairo atual) são
um testemunho vivo desta arte primitiva. Essas pinturas funerárias egípcias que
inspiraram a iconografia cristã das origens, constituem um corpus orgânico de pinturas antigas (mais de 750 retratos) que
chegaram até nós, datáveis entre o I e o IV século d.C. As primeiras imagens de
Cristo foram feitas em encáustica (pintura confeccionada com cera de abelha)
sobre madeira, da mesma forma que os retratos funerários egípcios. A arte
sagrada dos ícones decorre desse histórico primordial.
A imagem cristã é um evento extraordinário
e específico profundamente radicado nas culturas em que a Igreja das origens se
estabeleceu e viveu e, ao mesmo tempo, é um fato totalmente novo, imprevisto e
revolucionário no que diz respeito às culturas estabelecidas e à própria fé dos
primeiros seguidores de Jesus de Nazareth. Pe. Saverio Licari
[1]Cf. CASSIRER, E. Ensaio sobre o homem. Introdução a uma
filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. In: BARRETO, M, A. Imaginação simbólica Reflexões introdutórias.
Coleção FAJE. São Paulo: Loyola, 2008. p. 13.
[2]BARRETO, M, A. Imaginação simbólica. Reflexões
introdutórias, Coleção FAJE. São Paulo: Loyola, 2008, p. 14.
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