1. O ÍCONE ENTRE MITO, TRADIÇÃO E
HISTÓRIA
Desde o aparecimento do ícone na história da Igreja,
este não é considerado como uma mera obra artística. Os primeiros iconógrafos
tratavam de retratar com cores e formas o que os Evangelhos expressavam com
palavras. Para tanto, o ícone devia formular a sua identidade própria e se
propor como uma forma específica de arte, distanciando-se de todas as outras
manifestações de arte profana ou mesmo religiosa.
Uma lenda siríaca está na origem do primeiro ícone
chamado acheiropoites (não feito por
mão humana), segundo a qual o primeiro ícone de Cristo foi enviado pelo próprio
Cristo ao rei Abgar V Uchama, príncipe de Osroeme, cuja capital era Edessa. O
rei Abgar, doente, sofria muito e mandou o seu arquivista Ananias à procura de
Jesus para pedir-lhe que o curasse. O próprio Jesus tomou um pano, colocou-o
sobre o seu rosto imprimindo nele os seus traços. Esse tecido foi chamado de Mandylion (do árabe, lenço, toalha).
Quando o rei olhou para a sagrada imagem ficou, imediatamente, curado.
Em seguida, o bispo de Edessa mandou que a efígie
milagrosa fosse emoldurada para a veneração dos fiéis e passou a ser chamada de
Sagrada face. Após muitas
vicissitudes, em 944 os imperadores de Bizâncio, Constantino Porfirogeneta e
Romano I, compraram a sagrada relíquia.
No dia 16 de Agosto celebrava-se a transferência do
ícone para Constantinopla. Em 1204 a cidade foi saqueada pelos cruzados e a
santa relíquia desapareceu. Foi nessa época que nasceram, no Ocidente, as
lendas relativas a uma santa mulher que, ao enxugar o rosto de Cristo a caminho
do Gólgota, teria imprimido sobre um pano traços de seu rosto sofrido: trata-se
do famoso véu da Verônica, cujo nome
significa apenas verdadeira imagem.[1]
Segundo o mito, portanto, o primeiro ícone tem como
autor o próprio Jesus. A lenda confirma o que será demonstrado no segundo
capítulo deste trabalho: A encarnação de
Cristo, o seu aparecimento na terra é o fundamento teológico iniludível do
ícone. O semblante do Senhor não pode ser representado, a sua imagem não
pode ser capturada em uma forma, fruto do engenho humano. A sua imagem, dom do
amor do Pai, presença de Deus no meio dos homens, é Kénosis (rebaixamento) de Deus.
A partir destas palavras, podemos entender como o
ícone não é uma imagem qualquer, não é uma forma de arte religiosa, mas, se
insere no próprio mistério da Revelação. Com efeito, desde o inicio do
cristianismo, o ícone sagrado, antes de chegar à sua definição dogmática e
iconográfica que conhecemos hoje, teve que percorrer um longo caminho de
controvérsias, de diatribes iconoclásticas para se afirmar como imagem teológica e caminho de salvação.
Em sua origem, o ícone, teve que se deparar com um
cenário histórico complexo, dentro do qual conviviam mentalidades e culturas
diferentes. A formação do universo simbólico cristão sofreu a influência do
Judaísmo, do helenismo, do Império romano e do paganismo. É preciso percorrer
os traços característicos essenciais dessas influências para podermos entender
melhor o desenvolvimento teológico do ícone na história da Igreja. Pe. Saverio Licari